Educação inclusiva é educação para todos

Por Marina Lopes 

Todos alunos têm características, talentos e interesses únicos. Enquanto alguns dominam diferentes linguagens e são apaixonados por histórias, outros preferem desafios matemáticos e projetos de ciências, por exemplo. Mas cada um deles tem uma trajetória de vida singular, com diferentes condições sociais, emocionais, físicas e intelectuais, que não é atendida por escolas que usam métodos padronizados de ensino. Para respeitar as diferentes formas e ritmos de aprendizagem, ambientes educacionais inclusivos, historicamente associados apenas àqueles que acolhem alunos com deficiência, têm potencial para assegurar a participação de todos e ao mesmo tempo compreender as especificidades de cada um. Em celebração ao Dia Internacional da Pessoa com Deficiência (3), o Porvir dá início a uma série de reportagens sobre Educação Inclusiva, uma concepção que beneficia qualquer criança, adolescente, jovem ou adulto que está na sala de aula, inclusive os alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação.

Entre os princípios fundamentais da educação inclusiva, está o entendimento de que o acesso à educação é um direito incondicional de todos. Para a jornalista e escritora Claudia Werneck, fundadora da ONG Escola de Gente, no Rio de Janeiro (RJ), o ambiente educacional inclusivo é o melhor exemplo do que seria a escola como um bem público levado às suas últimas consequências. “A educação inclusiva é a base da sociedade. Ela nada mais é do que a consequência natural de uma escola de qualidade para todos”, define.

A educação inclusiva deveria ser o que na verdade a educação precisa ser para todos. Ela tem que criar sentidos, abrir possibilidades, permitir a participação e estar conectada com a realidade

Ao apontar a inclusão como o único caminho para a construção de uma nação democrática, Claudia diz que o desafio da escola não está em lidar com as crianças com deficiência, mas em compreender as múltiplas formas de ser um estudante. “A educação inclusiva olha para cada criança como um ser em uma fase específica da vida”, afirma. No entanto, muitas vezes as instituições educacionais não consideram as diferentes formas de aprender quando organizam seus processos. Todos os alunos ficam dispostos em carteiras enfileiradas, sentados por horas para fazer as mesmas atividades. Segundo especialistas como Claudia, a deficiência só evidencia o impacto de um modelo educacional que já não faz mais sentido para os estudantes e não atende às expectativas do século 21.

“A educação inclusiva deveria ser o que na verdade a educação precisa ser para todos. Ela tem que criar sentidos, abrir possibilidades, permitir a participação e estar conectada com a realidade”, concorda a pesquisadora Denise Crispim, mãe de uma criança com paralisia cerebral. De acordo com ela, os alunos com deficiência fazem a escola repensar o que já deveria ser útil para todos, como fazer o planejamento de atividades com antecedência.

Quando sua filha chegou ao ensino fundamental, Denise conta que teve dificuldade para encontrar uma escola. “Ainda existe um abismo entre o que nós entendemos que seriam práticas mais individualizadas e o que realmente acontece nas escolas.” Ela diz que também existe uma certa ansiedade e angústia por parte da família, o que reforça a necessidade de fortalecer a relação entre escolas e familiares. “A família é fundamental em todos os processos educativos. A criança com deficiência também pode ter demandas individuais que a família conhece melhor”, pondera.

Não existe uma receita pronta para tornar uma escola inclusiva, mas começar a pensar em processos educacionais mais centrados no estudante abre alguns caminhos. A Declaração de Salamanca, sobre princípios, políticas e práticas em educação especial, também destaca outros aspectos necessários para a construção bem-sucedida de um ambiente que acolhe a diversidade. Currículo, prédios, organização escolar, pedagogia, avaliação, pessoal, filosofia da escola e atividades são apenas alguns dos elementos citados na resolução das Nações Unidas.

A secretária de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão do MEC (Ministério da Educação), Ivana de Siqueira, também avalia que a inclusão, como princípio de uma política educacional, pressupõe mais do que pensar em infraestrutura, formação técnica inicial e continuada de professores e geração de acessibilidade nas escolas. “É um movimento que implica transformações sociais e culturais em um contexto escolar que se caracteriza pela diversidade dos processos de aprendizagem e de desenvolvimento, ou seja, implica em responsabilidades compartilhadas entre todos os participantes do sistema educacional”, cita.

Conquistas e desafios no Brasil

Na últimas décadas, diante de um crescente movimento mundial de educação para todos, o Brasil fez importantes avanços no campo das políticas educacionais voltadas para a garantia do acesso e da permanência na escola. A Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, elaborada pelo MEC em 2008, por exemplo, define princípios e ações que devem ser implementados para garantir a escolarização regular e o Atendimento Educacional Especializado para todos os alunos.

No decorrer deste período, o administrador e mestre em gestão da diversidade humana Rodrigo Hübner Mendes aponta que o país teve algumas conquistas valiosas, como o crescimento de matrículas nas classes comuns do ensino regular. “Tínhamos um contexto de uma maioria das matrículas em um ambiente segregado e agora podemos celebrar que cerca de 80% das matrículas da educação básica ocupadas por estudantes da educação especial estão em ambientes inclusivos”, afirma o fundador do Instituto Rodrigo Mendes, organização dedicada a promover a inclusão.

Entre as conquistas, ele também destaca a ressignificação, por parte de todos os educadores, do direito à educação das pessoas com deficiência e a transformação da educação especial como uma modalidade de ensino, que passou a atuar de forma complementar, e não substitutiva à escolarização. “Eu tenho pesquisado políticas e práticas em toda parte do mundo. Os resultados dessas pesquisas indicam que o Brasil tem uma política extremamente avançada e pioneira na construção de sistemas de ensino inclusivos, mas ainda continuamos enfrentando grandes desafios para que ela se torne realidade em todas as escolas”, analisa.

Para a mestre em educação Liliane Garcez, o principal deles está em articular e transversalizar a educação especial dentro de uma perspectiva inclusiva em todos os aspectos. “O paradigma que não conseguimos quebrar é a escola compreender que esses alunos fazem parte do conjunto de alunos e esses professores [do atendimento especializado] também fazem parte do corpo docente”, aponta. O que acontece na sala de recursos multifuncionais, que complementa ou suplementa a formação dos alunos, precisa ser um reflexo do que também acontece na sala de aula.

Gestores, coordenadores, professores e profissionais do atendimento educacional especializado devem atuar de forma colaborativa para entender que todos os estudantes são responsabilidade de todos os educadores. “O que temos percebido é que as escolas que adotam um trabalho mais colaborativo começam a ter um olhar pedagogicamente mais sensível”, observa. No âmbito da formação docente, Liliane menciona que é preciso apoiar os professores e oferecer instrumentos de leitura de contexto. “Como eu faço para tirar de um menino qual é a situação de letramento que ele está?”, exemplifica.

De acordo com o texto da política nacional, alunos com deficiência são “aqueles que têm impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, que em interação com diversas barreiras podem ter restringida a sua participação plena e efetiva na escola e na sociedade”. Nesse sentido, Liliane observa que o impedimento se torna deficiência quando ele encontra barreiras que não permitem a sua participação. “Tudo vale para todas as crianças, mas para algumas vamos ter que quebrar algumas barreiras.”

“Quando vemos as escolas transformadoras e inovadoras, percebemos que muitas delas têm feito um bom trabalho de inclusão das crianças com deficiência porque estão priorizando no seu projeto pedagógico a questão do clima, do acolhimento e do respeito às singularidades”

Para tornar a sala de aula inclusiva, a professora de inglês Raquel Gonzaga diz que é importante se colocar no lugar do aluno. “A comunicação com o aluno também é fundamental para saber o que funciona e o que não funciona”, conta ela, que também é educadora certificada pelo Google e blogueira de aplicativos e tecnologias para educação.

Nas aulas de inglês, a professora conta que começou a utilizar o celular para adaptar os conteúdos e incluir um aluno com deficiência visual, transformando mensagens escritas em estímulos de voz por meio de um aplicativo de QR Code. Para desenvolver uma estratégia pedagógica, ela ressalta que é importante observar e conhecer o aluno, já que cada um aprende de uma forma. Ao dar aula para outra estudante com deficiência visual, por exemplo, ela já pensou em novas metodologias a partir dos seus interesses e individualidades. “A empatia é uma ferramenta primordial”, destaca.

Inovação também é incluir

Mãe de uma aluna com a síndrome de Down, a advogada Maria Antônia Goulart, cofundadora e coordenadora geral do Movimento Down, diz que os estudos sobre inclusão apontam as melhores práticas como aquelas que também são efetivas para todas as crianças, como personalização, mediação entre os pares, educação por projetos e atividades mão na massa. “Quando vemos as escolas transformadoras e inovadoras, percebemos que muitas delas têm feito um bom trabalho de inclusão das crianças com deficiência porque estão priorizando no seu projeto pedagógico a questão do clima, do acolhimento e do respeito às singularidades”, afirma.

E segundo ela, todos ganham com a construção de um ambiente educacional inclusivo. “Nós não pensamos que o aluno que não é cego também precisa de informações sensoriais para compreender algumas coisas. Quando oferecemos isso, despertamos nas crianças várias percepções. O grupo inteiro vai aprender muito mais junto.”

Os ganhos também beneficiam professores e toda a comunidade escolar, segundo a diretora Rosângela Fonsêca, da Escola Francisco Augusto Bacurau, no município de Rio Branco (AC). Em sua instituição, a inclusão é tratada como prioridade no projeto pedagógico da escola e frequentemente os funcionários se reúnem para discutir coletivamente ou participar de encontros de formação. “Nós percebemos uma grande diferença na escola, não só da parte dos funcionários, mas de toda a comunidade.”

Fonte: https://porvir.org/educacao-inclusiva-e-educacao-para-todos/

 

 

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