Saúde do professor

Desafios e possibilidades

Buscado discutir o fato de que a profissão docente ocupa os primeiros lugares do ranking de profissionais que adoecem em virtude do trabalho, o V Congresso dos Professores Municipais de Passo Fundo reuniu centenas de docentes no mês de agosto. Com o tema “Saúde do Professor: desafios e possibilidades”, a atividade promovida pelo CMP Sindicato, que aconteceu nos turnos da manhã e da tarde, trouxe estudiosas do assunto para refletir com a categoria maneiras de transformar essa dura realidade.

Os professores puderam contar com a mesa-redonda que discutiu “Um olhar para a saúde do professor” e contou com as convidadas Amanda Macaia e Jussara Mendes. No turno da tarde, as palestrantes deram segmento às discussões na Mesa-Redonda “Trabalho docente X Local de trabalho: riscos e possibilidades”.

Terapeuta Ocupacional, Mestre em Saúde Pública e Doutora em Ciências pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), Amanda destaca que o contexto é de mudanças políticas e econômicas que tangenciam ou envolvem diretamente as condições de trabalho e saúde da população hoje e no futuro.

A pesquisadora em Saúde do Trabalhador evidencia que é possível vislumbrar cenários negativos, distantes do que se está construindo mesmo com diversas críticas a respeito. Destaca que é de extrema importância discutir, além dos afastamentos, o retorno do professor ao seu local de trabalho.

“Muitas vezes, o professor acaba tendo que voltar ao trabalho sem que o espaço busque mudar aquilo que causou o adoecimento, e isso coloca em risco não só o desempenho do profissional, como também a sua saúde. Não basta pensar somente a doença, é necessário pensar as causas e condições. Somente analisando o todo é possível alcançar avanços”, afirma Macaia, que encerra com o questionamento: “será que é só professor que tem a ver com isso?”

Jussara Maria Rosa Mendes, Doutora em Serviço Social pela PUCSP e Pós-Doutora em Serviço Social pela Universität Kassel, é a segunda convidada a compor os espaços de discussão da atividade. Jussara tem diversas pesquisas e produções acadêmicas acerca do tema e aponta, em seus estudos, elementos que historicamente vêm norteando o debate sobre o trabalho e a saúde, expressando avanços e contradições na área da saúde do trabalhador.

“A saúde deve ser uma necessidade social urgente! É necessário ouvir os docentes do seu processo, ampliar os debates com a categoria, falar sobre controle social, segurança e saúde do trabalho. Quem atende à saúde do professor? Nessas discussões, hoje, o sindicato faz a sua parte. Mas é preciso pensar com seriedade nesse contexto e buscar por soluções”, ressalta.

A dirigente do CMP Sindicato Regina Costa dos Santos destaca que essa edição da atividade, que já acontece desde 2014, teve como objetivo refletir sobre fatores que colocam em riscos e agravam a saúde dos professores e de construir expectativas a partir do evento que apontem caminhos para avançar na construção de estratégias de políticas públicas de saúde para os docentes. “É preciso repensar a organização do trabalho e as relações na escola, dando melhor condições materiais e humanas de desenvolver a docência, com salários dignos em que o professor não precise trabalhar 60 horas para garantir seu sustento. Nossos professores merecem cuidado e respeito pela sociedade e pelos governantes”, afirma.

 

Projeto Promoção do bem-estar docente

O Congresso ainda serviu de palco para o lançamento do projeto “Promoção do Bem-Estar Docente,” uma parceria entre Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, o Sindicato dos Professores Municipais de Passo Fundo (CMP Sindicato), a 7ª Coordenadoria Regional de Educação, a 6ª Coordenadoria Regional de Saúde (Ceae), a Prefeitura Municipal de Passo Fundo, o Sindicato dos Professores do Ensino Privado e a Faculdade Meridional (Imed).

A idealização do projeto “Promoção do bem-estar docente” surgiu na perspectiva de que a saúde do professor é um assunto que vem adquirindo crescente relevância científica, uma vez que essa é uma profissão fundamental para a formação do ser humano e da sociedade. O projeto incluirá os professores da rede pública e privada, atuantes no município de Passo Fundo.

A promotora Ana Cristina Ferrarezi, representando a Promotoria Regional de Educação do RS em Passo Fundo, lembrou que o projeto foi uma construção de várias mãos e que o Ministério Público trabalha há algum tempo na temática. Para ela, o projeto é resultado do empenho de vários setores que buscam amenizar o problema dos afastamentos dos docentes de forma a potencializar não somente a promoção de saúde desses profissionais, como potencializar a qualidade da educação.

O psicólogo do Núcleo de Biometria da Administração Municipal Mário Junges aponta que o projeto foi pensado em parceria nas três instâncias da educação e que, embora tenha surgido para questões de saúde mental, a intenção é ter uma abrangência maior, como em questões ligadas à voz e à alimentação saudável, por exemplo. “Pensar a saúde de uma forma integral e não pontuar somente uma questão relacionada ao adoecimento”, diz.

A dirigente do CMP Sindicato Regina Costa dos Santos pontuou que a discussão é necessária e que a temática do Congresso é pertinente para o momento. Lembra que os professores municipais participaram massivamente das discussões e mobilizações realizadas no município em um momento histórico decisivo.

A comissão responsável pela elaboração do projeto tem como objetivo realizar ações interventivas e preventivas de promoção à saúde integral dos docentes das redes municipal, estadual e privada do município de Passo Fundo. Isso deve acontecer através de trabalhos de conscientização acerca da importância transformadora do professor, oportunizando espaços que promovam o cuidado à saúde física e mental dos professores e sensibilizando o poder público quanto à importância de políticas públicas voltadas à saúde do professor.

 

Um olhar para a saúde do professor

Jussara afirma que, com o adoecimento dos professores e as depressões, sendo o adoecimento mental o mais grave de todos, eles vivem essas transformações que vêm se somando à carência de tudo em sala de aula, como o uso ainda de giz, a questão da violência na escola, da violência em sala de aula, os pais transferindo responsabilidade para os docentes. O professor vive uma sobrecarga e uma precarização total do trabalho, isso tem sido identificado através dos afastamentos por adoecimento mental.

“O afastamento é um momento extremamente difícil, porque, para o professor, significa não se reconhecer mais naquele trabalho, uma ausência de reconhecimento da sua profissão e uma ausência total de prazer no trabalho, porque a gente sofre no trabalho, mas, acima de tudo, a gente tem que ter o prazer, o prazer tem que estar presente no convívio com os colegas, naquilo que eu estou ensinando, no produto do meu trabalho”, salienta Mendes.

Pontua que o quadro que se apresenta é de muita aflição e preocupação e que os desafios são muitos, e não são somente para os professores, mas para a sociedade como um todo.“Isso não é problema do professor, isso é um problema social. Como problema social, tem de ser tratado por todas as instâncias da sociedade. Eu parabenizo a iniciativa do MP, esse trabalho, essa pesquisa que eles estão iniciando, mas ainda acho que é necessário envolver outras instâncias, envolver universidade, envolver todos. Esse problema não se resolve com somente um lado participando, há necessidade de um movimento intersetorial, as diferentes instâncias se envolverem; aí sim, a gente alcança uma melhoria, e que não é imediata”, reflete.

Em seu estudo de doutorado, Amanda Macaia analisou o fenômeno de afastamento por transtornos mentais e retorno ao trabalho. “É preciso analisar isso com as pessoas, a gente não pode analisar de fora, algum especialista de fora dando um diagnóstico. Esse fenômeno de afastamento e adoecimento tem a ver com outros fatores. Existe o problema? Existe! Para quem é esse problema? De quem é esse problema? Quem tem a ver com esse problema? Daí, a gente analisa isso, e a gente constrói junto, para não ficar algo de cima para baixo”, pondera Macaia.

Para ela, ao analisar em conjunto quais são as causas originais e históricas dessas questões, é possível chegar mais perto de uma solução. “Quando eu comecei a pesquisa com os professores coletando dados em 2011, 2012, falavam muito de espaços de fala, de discussão compartilhada; hoje, no pós-doutorado, tenho estudado metodologia de desenvolvimento do trabalho. A gente tem visto muito que esses espaços de fala precisam ser espaços de fala que não tenham punição depois, as pessoas precisam se sentir à vontade para falar, analisarem seu trabalho. Porque, se houver um cerceamento do que estiver acontecendo, ou isso for usado de outra forma, se as pessoas não se sentirem seguras de como isso vai ser usado, então é fake”, explica.

Amanda reforça que os desafios são enormes porque estar juntos, no mesmo espaço dialogando e construindo, não é algo fácil; às vezes, é preciso ir um pouco mais devagar para conseguir construir uma saída de forma efetiva.

Confira o programa Educação e Debate que teve como foco a saúde da categoria:

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